quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA: Intelecto um terrível mestre

“Uma das grandes armadilhas que temos é nossa inteligência”: Ram Dass fala aos “espertos”



 “Uma das grandes armadilhas que temos no Ocidente é nossa inteligência, porque queremos saber o que sabemos. A liberdade nos permite sermos sábios, mas não podemos saber sabedoria. Devemos ser sabedoria. Quando meu guru queria me colocar pra baixo, ele me chamava de “esperto”. Quando ele queria me recompensar, ele me chamava de “simples”. O intelecto é um lindo servo, mas um terrível mestre. O intelecto é uma ferramenta poderosa para a nossa separatividade. O coração intuitivo e compassivo é a porta para nossa unidade.”
— RAM DASS, “Words of Wisdom” (20/08/2017)



Como pode a inteligência ser uma armadilha?

Qual a diferença de saber sabedoria e ser sabedoria? Se eu leio, memorizo e de certa maneira entendo (intelectualmente) uma obra como “O Poder do Agora”, de Eckhart Tolle, posso sair por aí falando sobre presença, sobre nova consciência e sobre viver desperto, como se eu de fato vivesse desperto, presente e consciente. Então poderíamos chamar isso de saber sabedoria. Ler livros, memorizar ensinamentos, acumular conhecimentos. Pode adiantar tanto quanto não saber nada. Só que com um problema adicional grave: eu acho que sei, ao ponto de me considerar sabedor, ou sábio. 

Ao ponto de achar que de fato sei a sabedoria. Esse é um beco escuro e estéril com aparência de louvável paraíso particular. Podemos ler sobre sabedoria, saber o que ela implica, sobre do que é feita, sobre como fazê-la, mas isso não é viver a sabedoria, sendo sabedoria, portanto, no seu âmago, eu não posso saber. Podemos invocar aqui a famosa frase de Sócrates, “aquele homem acredita saber alguma coisa, sem sabê-la, enquanto eu, como não sei nada, também estou certo de não saber” (uma versão popular é “só sei que nada sei”). Ou como Ram Dass diz, “não podemos saber sabedoria”. 

Não posso saber sobre estar molhado sem ter estado molhado — e mesmo depois de estar, não significa que eu “saiba” estar molhado, mas apenas que estive molhado.

Então se eu sou sabedoria, isso significa que, independente de eu saber ou não, eu vivo sabedoria. Eu ajo sabedoria. Eu fluo com sabedoria. Eu estou sabedoria. O que adianta saber sabedoria sem vivê-la, sem sê-la? É como ler as palavras de Ram Dass, memorizá-las e papagaiá-las, como eu mesmo posso estar fazendo aqui. Saber pode ser um caminho para ser, mas a priori não muda nada na experiência. A não ser que você seja.

Se falarmos sobre a sabedoria da presença, por exemplo, ser presença, estar presente, é milhões de vidas mais importante do que saber sobre a presença. Na verdade, em relação à sabedoria da presença, ser presença é tudo que há. O resto é não presença (saiba você ou não).

Essa perspectiva não é muito fácil de se compreender no Ocidente, que cultua o conhecimento científico, o acúmulo, a erudição, o falar sobre. Pelo que tenho visto só quando entramos em contato com algum tipo de sabedoria oriental podemos finalmente começar a compreender isso. No Ocidente, “ser inteligente” é uma virtude nobre, algo que está associado geralmente à intelectualidade, à capacidade de articular e demonstrar conhecimento, algo a ser perseguido, desenvolvido e/ou cultivado. Não só no meio acadêmico (com diplomas, mestrados, doutorados), mas no cotidiano, nos relacionamentos profissionais, e pessoais. E na pior dimensão de todas elas: em nós mesmos. Nós gostamos de saber sobre. Queremos saber para nos sentirmos sabedores e então acharmos que sabemos, e também para sermos vistos como “aquele que sabe”. Mas isso tudo pode ser — e geralmente é — um obstáculo terrível no caminho da sabedoria.

Então ler essas palavras do Ram Dass não adianta nada se for só para saber. Não haverá sabedoria em nosso ser. Seremos “espertos”, e só.

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