A
morte do cachorro do Carrefour é diferente da de bois e vacas?
A morte do cachorrinho no Carrefour foi um ato desumano. A morte de
milhões de bois diariamente não é?
Por Joel Pinheiro da Fonseca
access_time6 dez 2018, 17h23 -
Publicado em 6 dez 2018, 12h15
PECUÁRIA: o homem é a medida de todas as coisas; até do valor da vida animal / Frederic Jean/EXAME.com (/) |
O assassinato cruel de
um cachorro num hipermercado Carrefour em Osasco (SP), no dia 30, deixou o país
inteiro indignado. É curioso como a morte intencional de um cachorro desperte
mais a nossa compaixão (e a nossa ira contra o assassino) do que a de um ser
humano, embora essa seja, objetivamente falando, muito mais grave. Não estou
criticando, apenas observando um fato – que se aplica, inclusive, a mim.
O
cachorro tem, a nossos olhos, uma inocência, uma pureza, uma bondade essencial,
que torna atos de maldade contra ele especialmente odiosos. Ele é aquilo que é,
sem duplicidade; quer o bem das pessoas e nem sequer compreende o que é querer
o mal. Não entende quando alguém o quer matar, e é essa falta de compreensão da
maldade humana que nos apieda. Ele é como uma criança. Do nosso ponto de vista
(que inevitavelmente projeta sobre o bicho sentimentos e subjetividades
nossas), ele é mais humano do que um humano.
Não
estendemos o mesmo benefício a outros animais, mesmo aqueles que são tão ou
mais inteligentes que um cachorro. Porcos, bois, frangos: a maioria de nós é
responsável pela morte de dezenas deles a cada mês. A bem da verdade, mesmo a
morte de cachorros para a culinária chinesa não me parece nem um pouco mais
condenável do que a dos bichos comuns em nossa culinária. E notem: não
precisamos de carne de animais para nos alimentar; é perfeitamente viável (e
até mais barato e melhor para o meio-ambiente) viver com uma dieta vegetariana
e tomar alguns suplementos. Ou seja: a razão pela qual matamos tantos animais
não é para nos alimentar, e sim para sentir prazer ao comê-los. Somos tão
monstruosos quanto o segurança que matou o cachorro no Carrefour?
É
claro que não. Então qual a diferença, se em ambos os casos bichos estão sendo
mortos de maneira violenta para o prazer e/ou a conveniência dos homens? A
diferença não está nos bichos, e sim em nós. Ou melhor, na relação que nós
estabelecemos com o animal. Ao criar o vínculo emocional com ele, ele deixa de
ser um bicho qualquer e se torna, do nosso ponto de vista, uma pessoa, um alguém.
Nosso bicho de estimação tem nome e história; os bichos na fila de abate são um
número impessoal.
Somos seres contraditórios. Nossa empatia
não se estende igualmente a todos os seres. Ninguém sentiria a menor indignação
se soubesse que o segurança do hipermercado matou um rato (e não tem nada a ver
com ele ser um vetor de doenças. Se o cachorrinho estivesse com uma doença
infecciosa as pessoas exigiriam que ele fosse afastado de forma humana, e
jamais morto a pauladas). Não derramamos uma gota de lágrima pela bisteca em
nosso prato, mas se acompanharmos a vida de um leitãozinho na fazenda faremos
de tudo para evitar seu abate.
Os veganos tentam eliminar essa arbitrariedade
da vida humana. Fazer com que nossos atos para com os animais não dependam mais
do sentimento volúvel da empatia, mas de uma concepção objetiva de direitos
universais. Resta responder, contudo: com que finalidade fazem isso? Por que
prejudicar o bem-estar humano para que bois e ratos sem nome possam viver
melhor?
Prefiro
conviver com a inescapável arbitrariedade de nossos sentimentos. A morte do
cachorrinho no Carrefour foi um ato desumano. A morte de milhões de bois
diariamente não é. No primeiro caso, a morte viola nossos sentimentos mais
valiosos de compaixão e empatia. No segundo, esses sentimentos nem surgem. E
essa diferença não vem dos bichos, e sim de nós. O homem é a medida de todas as
coisas; até do valor da vida animal.
https://exame.abril.com.br/blog/joel-pinheiro-da-fonseca/sobre-a-morte-do-cachorrinho-do-carrefour-e-de-milhares-de-bois-e-vacas/
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