Confira abaixo excelentes textos do Zen Budismo, que
trazem uma explicação direta do que seriam os conceitos de Samsara e Nirvana,
respectivamente os reinos da ilusão sujeita à interpretação do ego e da
realidade:
“O Samsara não é um lugar – por exemplo, o nosso mundo.
É uma maneira de ser prisioneiro das próprias percepções. Há quem diga que, se
traçarmos no chão um círculo ao redor de um peru, o animal pensará que está
preso e se deixará morrer de fome, sem jamais tentar atravessar o círculo.
Embora todos os seres possuam dentro de si a
luminosidade da consciência sutil, a felicidade inefável de que falam os
místicos e aqueles que viveram experiências de quase morte, não a reconhecem.
Divorciadas dessa profunda luminosidade, nossas
percepções adquirem uma “opacidade” que nos mantém no engano. Embora sejam
círculos de giz à nossa volta, pensamos que se tratam de barreiras reais,
ficamos prisioneiros delas e os esforços desastrados que fazemos para nos
libertarmos geralmente só pioram a situação. Na tradição budista, a esta
percepção deformada do mundo dá-se no nome de ignorância e diz-se que é a raiz
do Samsara.”
— Tsering Paldrön, em “A Arte da Vida”
“Nirvana quer dizer “sem fogo”. “Fogo extinto” ou, “sem
vento das paixões”. Nirvana é a mesma coisa que Samsara. Samsara é Nirvana. É o
mundo da perambulação, onde andamos de lugar pra lugar, procurando a felicidade
ou satisfação. Nós procuramos, andando sem fim, procurando e trocando. Uma casa
nova, um carro novo, entre outras coisas… Procurando, procurando, sempre
trocando, isso é Samsara. É o mundo rodando e você procurando a solução e
satisfação de problemas sempre novos. Vão sempre surgir, porque é
característica desse mundo mutante. O que faz essas sensações todas, são o
“vento das paixões”. E nós somos como folhas tocadas pelo vento das paixões.
NIR é uma partícula negativa e VANA é o fogo das paixões. Então podemos
traduzir como “Fogo extinto, ou sem ventos”, e, na analogia que estou fazendo,
não tem vento para empurrar a folha de lado pra lado. Não tenho paixões
mundanas, então de repente surge uma grande calma, porque não importa. Atrasou,
atrasou, perdeu o avião, perdeu o avião, tem comida tem, não tem comida, não
tem. Perdi tudo que tinha, perdi tudo que tinha. Ganhei bastante, ganhei
bastante. As paixões não estão empurrando, então o mesmo lugar que é Samsara, é
Nirvana. O que mudou é a maneira de ver. Você tira os seus olhos, que vêm o
Samsara, e troca pelos olhos de Buda, olha com uma mente iluminada e aí aquilo
que era Samsara, virou Nirvana. Então Samsara não é um lugar. E Nirvana também
não. Não dá pra “ir” para o Nirvana. Você muda a si mesmo e aí, este lugar
torna-se Nirvana.”
— Monge Genshô, em “Sutra do Coração da Sabedoria”
“Espiritualmente falando, a existência humana é dividida
em dez mundos. Os primeiros seis mundos são retratados como sendo partes de uma
roda que gira perpetuamente; os últimos quatro são vistos como platôs de uma
alta montanha.
Os seis mundos pertencem ao Samsara, o reino da ilusão,
no qual a realidade é distorcida pela intervenção do ego. Os quatro mundos
pertencem ao Nirvana, o reino da pura consciência no qual, em graus
ascendentes, a realidade é experimentada diretamente sem as interpretações do
ego. O objetivo do Zen é chegar ao topo dessa montanha, ou seja, experimentar a
vida espontaneamente, sem a submissão de toda informação que nos chega às
explicações e determinações do ego.
Por ser tão importante entender exatamente o que
significam esses dois termos, Samsara e Nirvana, ou Forma e Vazio, como eles
são frequentemente chamados, nós vamos ilustrar a distinção entre eles.
Imaginemos uma sala na casa da senhora Jane Doe. Nesse
quarto há um ser humano sentado em um sofá de veludo azul.
Do lado oposto ao do sofá há duas cadeiras de seda
clara. Nas extremidades do sofá há mesas, sobre as quais há abajures com
grandes venezianas franzidas. No chão há um tapete circular rosa e creme e nas
paredes há várias pinturas a óleo com a assinatura de Jane Doe. As janelas
estão abertas e uma forte brisa faz as cortinas esvoaçarem dentro do quarto. Do
lado de fora, um galho de árvore bate ritmadamente contra uma das abas da
janela. Um relógio na parede soa as onze horas.
Essa descrição das coisas exatamente como elas são é a
realidade do Nirvana ou do Vazio.
Agora, imaginemos essa mesma sala como visto através dos
olhos da pessoa que está sentada no sofá. Vamos supor que essa pessoa é Louisa
Doe, a sobrinha da senhora Jane Doe, que aceitou um convite para o chá.
Enquanto a tia está ocupada na cozinha, a sobrinha olha ao redor do aposento e
diz para si mesma: “Essas pinturas são horríveis. Não me espanta que a pobre
mulher nunca tenha se casado. E aqueles abajures… que lástima! Mas o sofá é de
primeira categoria. Ela deve ter pago uma fortuna nele. Eu me lembro de tê-lo
visto há alguns anos atrás e ele ainda parece o mesmo. Tão macio.. É uma pena
que eu não esteja com Duncan Phyfe. Meu Deus, ela precisa reformar aquelas
cadeiras! Os braços estão sem dúvida encardidos. Mas esse tapete.. eu aposto que
é um legítimo oriental. Sim… isso deve ter sido um dos que ela comprou no
Cairo. Aquela brisa me traz lembranças. Será que deixei as janelas do carro
abertas? Seria melhor se ela podasse aquele galho ou algum dia ainda vai acabar
quebrando esse vidro. Onze horas! Ah, aquele é o velho relógio Hamilton que
papai diz que por direito é dele. Eu espero que possa sair daqui ao meio dia.
Me pergunto se ela planeja deixar este lugar para mim.”
— Ming Zhen Shakya em “O Sétimo Mundo do Budismo Chan”
- Extraído do site:
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