quinta-feira, 16 de março de 2017

PARTE 2: O que é a mente e qual a diferença entre a ilusão e o estado iluminado do ser?





Oi gente!

Dando continuidade na matéria sobre O QUE É A MENTE retirado do blog 

https://budismopetropolis.wordpress.com/2015/07/21/o-que-e-a-mente/

vamos abordar hoje a diferença entre ilusão (maya) e o estado iluminado do ser.


COMO DIZ UM ANTIGO CONTO ZEN:

"O monge perguntou ao Mestre:

Como posso sair do Samsara (a Roda de renascimentos e mortes)?”
O Mestre respondeu:
Quem te colocou nele?



Vamos refletir sobre isso durante a semana, ok?

Beijos no coração

Namastê




A natureza da mente


A verdadeira experiência da natureza essencial da mente está além das palavras. Querer descrevê-la é como a situação de um mudo que quer descrever o sabor de um doce em sua boca: ele não tem um meio adequado de se exprimir. Mesmo assim, gostaria de oferecer algumas ideias que ajudem a esta experiência.

Podemos pensar que a natureza da mente pura tem três aspectos essenciais, complementares e simultâneos: a abertura, a claridade e a sensitividade.

A abertura

A mente é o que pensa, “Eu sou”, “Eu quero”, “Eu não quero”; é o pensador, o observador, o sujeito de todas as experiências. Eu sou a mente. De um ponto de vista, esta mente existe, já que eu sou e eu tenho a capacidade de ação. Se eu quero ver, eu posso ver; se eu quero ouvir, eu posso ouvir; se eu decido fazer algo com minhas mãos, eu posso comandar meu corpo, e assim por diante. Neste sentido, a mente e suas faculdades parecem existir.

Mas se buscarmos por ela, não podemos encontrar qualquer parte dela em nós, nem em nossa cabeça, em nosso corpo ou em qualquer outro lugar. Então, desta outra perspectiva, ela parece não existir. Portanto, de outro lado a mente parece existir, mas por outro lado não é algo que verdadeiramente existe.

Por mais exaustivas que sejam nossas investigações, nunca seremos capazes de encontrar quaisquer características formais da mente: não tem dimensão, nem cor, forma ou qualquer qualidade tangível. É neste sentido que ela é chamada de aberta, porque é essencialmente indeterminada, desqualificada, além do conceito e, assim, comparável ao espaço. Esta natureza indefinível é a abertura que nos faz experienciar a mente como um “Eu” que possui as características que habitualmente atribuímos a nós mesmos.

Mas devemos ter cuidado aqui! Dizer que a mente é aberta como o espaço não é reduzi-la a algo não-existente, no sentido de ser não-funcional. Como o espaço, a mente pura não pode ser localizada, mas é onipresente e permeia tudo; ela abraça e permeia todas as coisas. Acima de tudo, ela está além da mudança e sua natureza aberta é indescritível e atemporal.

A claridade

Apesar da mente ser essencialmente vazia no sentido explicado acima, ela não é apenas aberta ou vazia, porque se fosse, a mente seria inerte e não iria experienciar ou conhecer qualquer coisa, nem sensações, nem alegria ou sofrimento. A mente não é apenas vazia — ela possui uma segunda qualidade essencial, que é a sua capacidade de experiências, de cognição. Esta qualidade dinâmica é chamada de claridade. Ela é tanto a lucidez da inteligência da mente quanto à luminosidade destas experiências.

Para melhorar nossa compreensão da claridade, podemos comparar a abertura da mente ao espaço da sala onde estamos. Este espaço sem forma permite que aconteçam nossas experiências; ele contém a experiência em sua totalidade. É onde a nossa experiência toma o seu lugar. A claridade, então, seria a luz que ilumina a sala e que nos permite reconhecer diferentes coisas. Se houvesse apenas o inerte espaço vazio, não haveria possibilidade de haver consciência. Isto é apenas um exemplo, porque a claridade da mente não é como a luz comum do sol, da lua ou da eletricidade. É a claridade mente que faz possível toda cognição e experiência.

A natureza aberta e luminosa da mente é o que chamamos de “clara luz”; é uma claridade aberta que, no nível da mente pura, está consciente em e por si mesma; é por isso que a chamamos de cognição auto-luminosa ou claridade.

Não há um exemplo verdadeiramente adequado para ilustrar esta claridade no nível puro, mas no nível comum, que podemos relatar mais facilmente, podemos ter uma ideia de alguns de seus aspectos, ao compreender uma das manifestações da mente — o estado do sonho. Vamos dizer que é uma noite escura, e que nesta escuridão estamos sonhando, ou experienciando um mundo do sonho. O espaço mental onde o sonho acontece, independente do lugar físico onde estamos, poderia ser comparado à abertura da mente, enquanto sua capacidade de experienciar, apesar da escuridão externa, corresponde à sua claridade. Esta lucidez abarca todo conhecimento da mente e é a claridade inerente nestas experiências. É também a lucidez do que ou quem as experiência; o conhecedor e o conhecido, a lucidez e a claridade, nada mais são do que duas facetas da mesma qualidade. A inteligência que experiência o sonho é a lucidez, e a claridade presente em suas experiências é a sua luminosidade; mas no nível não-dual da mente pura, é apenas uma e mesma qualidade, a “claridade”, chamada de prabhasvara em sânscrito, ou de selwa em tibetano. Este exemplo pode ser útil para o entendimento, mas tenha em mente que isto é apenas uma ilustração, mostrando um nível manifestação particular da claridade em um nível habitual. 

No exemplo, há uma diferença entre a lucidez o conhecedor e a luminosidade das experiências do sujeito, porque o sonho é uma experiência dualista, diferenciada em termos de sujeito e objeto, na qual a claridade se manifesta de uma vez, na consciência ou lucidez do sujeito e na luminosidade de seus objetos. De fato, o exemplo é limitado, pois fundamentalmente não há dualidade nas mentes puras: é a mesma qualidade da claridade que é essencialmente não-dual.

Sensitividade

Para uma descrição completa da mente pura, um terceiro aspecto deve ser adicionado às duas primeiras qualidades já discutidas; é a sensitividade, ou desimpedimento. A claridade da mente é a sua capacidade de experienciar; tudo pode surgir na mente, então suas possibilidades de consciência ou inteligência são ilimitadas. O termo tibetano que designa esta qualidade literalmente significa “ausência de impedimento”. Esta é a liberdade da mente experienciar sem obstrução. No nível puro, estas experiências têm as qualidades da iluminação. No nível condicionado, elas são as percepções da mente de cada coisa como sendo isto ou aquilo; ou seja, é a habilidade de distinguir, perceber e conceber todas as coisas.

Voltando ao exemplo do sonho, a qualidade inerente de sensitividade da mente seria, por causa de sua abertura e claridade, a sua habilidade de experienciar a multiplicidade de aspectos do sonho, tanto as percepções do sujeito sonhador quanto as experiências do mundo sonhado. A claridade é o que permite surgir as experiências, enquanto a sensitividade é a totalidade de todos os aspectos distintamente experienciados.

Esta sensitividade corresponde, no nível habitual e dualista, a todos os tipos de pensamentos e emoções que surgem na mente e, no nível puro da mente de um buddha, à sabedoria ou qualidades iluminadas colocadas em prática para ajudar os seres.

Então, a mente pura pode ser compreendida assim: em essência, é aberta; em natureza, é clara; e em todos os seus aspectos, é uma sensitividade desimpedida

Estas três facetas, a abertura, a claridade e a sensitividade, não estão separadas, mas são concomitantes. Elas são as qualidades simultâneas e complementares da mente desperta.

No nível puro, estas qualidades são o estado de buddha; no nível impuro da ignorância e da ilusão, eles se tornam todos os estados da consciência condicionada, todas as experiências do samsara. Mas não importa se a mente é iluminada ou iludida, nada há além dela, e ela é essencialmente a mesma em todos os seres, humanos ou não-humanos.

 A natureza de buddha, com todos os seus poderes e qualidades iluminadas, está presente em cada ser. Todas as qualidades do buddha estão em nossas mentes, porém veladas e obscurecidas, assim como uma vidraça é naturalmente transparente e translúcida, mas fica opaca pela densa camada de sujeira.

A purificação, ou remoção destas impurezas, permite que todas as qualidades iluminadas presentes na mente sejam reveladas. Realmente, nossa mente tem pouca liberdade e poucas qualidades positivas porque ela é condicionada pelo nosso karma, pelas marcas habituais do passado. Pouco a pouco, porém, as práticas do Dharma e de meditação livram a mente e a desperta para todas as qualidades de um buddha.

Uma breve meditação

Neste ponto, provavelmente ajudaria fazer uma curta prática experimental, uma meditação para tentar melhorar nossa compreensão sobre tudo isso.

A PRATICA:

Sentando confortavelmente, vamos deixar a mente descansar em seu estado natural. Relaxamos a nós mesmos, nossas tensões, e permanecemos sem tensão, sem qualquer intenção em particular, sem artifícios… Soltamos nossa mente e permitimos que ela fique aberta, como o espaço… Espaçosa, a mente permanece clara e lúcida… Relaxada, solta, a mente permanece transparente e luminosa… Não mantemos nossa mente encerrada em nós mesmos… Ela não está confinada em nossa cabeça, em nosso corpo, no ambiente ou em qualquer lugar. Relaxada, ela é vasta como o espaço que abarca tudo… Ela abarca tudo, todo o mundo e todo o universo. Ela permeia nosso mundo inteiro. Permanecemos descansados, relaxados, neste estado de abertura, ilimitado, totalmente lúcido e transparente.

A abertura e a transparência da mente, similares ao espaço infinito, são sinais do que temos chamado de abertura. Sua consciência livre e clara é o que temos chamado de claridade.

Há também a sua sensitividade, que é a capacidade da mente experienciar tudo em uma desimpedida consciência de pessoas, de lugares e de todas as outras coisas. A mente pode conhecer todas estas coisas e pode reconhecê-las distintamente.

Mais uma vez, sem orientar “a mente” — o sujeito-conhecedor — para fora nem para dentro, permanecemos como estivermos, à vontade e relaxados… Sem afundar num estado de indiferença ou estagnação mental, nossa mente permanece alerta e vigilante… 

Neste estado,a mente é aberta e desengajada. Isto é a abertura… Na consciência lúcida está a sua claridade… Todos os aspectos que conhece, distinta e desimpedidamente, são a sua sensitividade.

Um obstáculo importante surge como resultado de habitualmente confinarmos a mente ao corpo, que percebemos como sendo o nosso corpo; nos identificamos com este corpo, nos fixamos nele e nos encerramos nele. Para neutralizar isto, é importante relaxar toda tensão, toda inquietação. Tensa e inquieta, a mente fica presa. Estas tensões terminarão causando dores físicas e de cabeça.

Deixe a mente permanecer descansada em sua vastidão lúcida, aberta e relaxada.

Podemos começar a meditar deste modo, mas é fundamental continuar a prática sob a direção de um guia qualificado, que nos conduzirá no caminho correto. Com a ajuda dele ou dela, podemos realizar a vacuidade da mente, dos pensamentos e das emoções, o que é o melhor de todos os métodos de nos livrarmos da ilusão e do sofrimento.

Reconhecer a natureza das emoções negativas permite que elas sejam liberadas; é portanto essencial aprender a reconhecer sua vacuidade assim que elas surgirem. Se permanecermos ignorantes de sua natureza vazia, elas nos carregarão em sua torrente, nos escravizando e subjugando. Elas têm controle sobre nós porque atribuímos a elas uma realidade que, na verdade, elas não têm. Se realizarmos sua vacuidade, então o seu poder alienador e o sofrimento que eles causam irão desaparecer.

Esta habilidade de reconhecer a natureza aberta e vazia da mente e de todas as suas produções, projeções, pensamentos e emoções é a panacéia, o remédio universal que, em e por si mesmo, cura toda ilusão, toda emoção negativa e todo sofrimento.

Nossa mente pode ser comparada a uma mão que está atada ou amarrada; neste caso, a mente está presa pela representação de nosso “eu”, “ego” ou “self”, assim como pelos conceitos e fixações que pertencem a esta ideia. Pouco a pouco, a prática do Dharma elimina estas fixações e conceitos auto-estimadores e, assim como uma mão desatada pode se abrir, a mente se abre e ganha todos os tipos de possibilidades de atividade. Ela então descobre muitas qualidades e habilidades, como a mão livre de suas amarras. As qualidades que são reveladas são aquelas da iluminação, da mente pura.

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