Pattie leu no jornal um anúncio inspirador no irúcio de
agosto de 1967.
O indiano Maharishi
Mahesh Yogi, líder do movimento da meditação transcendental, fariauma palestra em
Londres, no dia 24 de agosto. Havia meses que a mulher do beatle George
Harrison estava interessada em filosofia oriental, desde uma temporada de
férias de seis semanas na Índia. O casal estava em busca de elevação espiritual.
A jovem convidou George para o evento, e os outros Beatles se juntaram ao casal
para conhecer as ideias do guru. Terminada a palestra, os rapazes de Liverpool
tiveram um papo reservado de uma hora e meia com o Maharishi e foram convidados
pelo líder espiritual para participar de um retiro de dez dias sobre meditação
transcendental.
Os músicos toparam. Era uma quinta - feira. No dia seguinte, os
Beatles e uma trupe, que incluía amigos como Miék J agger, embarcaram de trem
para Bangor, no País de Gales. Era a primeira vez em muitos anos que a banda
viajava sem o empresário, Brian Epstein, No sábado, o grupo acordou e participou
de uma aula introdutória sobre a técnica. Foi o suficiente, após apenas três dias
de imersão, para mudar a vida dos Beatles. Numa coletiva de imprensa no mesmo
dia, já falavam em substituir as drogas por meditação. "Você não pode
tomar drogas para sempre. Estamos procurando por algo mais natural- e encontramos",
disse Paul McCartney. "A meditação ajuda a encontrar realização na vida, a
viver a vida ao máximo", completou George. "Não sabemos como isso vai
aparecer na música. ão espere ouvir meditação transcendental o tempo
todo", disse o guitarrista.
Mas, no domingo, os Beatles foram surpreendidos por um
telefonema: Brian Epstein estava morto. O empresário, que era aguardado em
Bangor para ser introduzido na meditação transcendental, não resistiu a uma
overdose de remédios para dormir.
A tragédia abreviou o retiro. Antes de partir para Londres,
George e John deram uma breve entrevista coletiva sobre a morte de Epstein. Os
Beatles não tinham completa do a iniciação na meditação, mas os ensinamentos do
Maharishi já estavam nas suas palavras. "A meditação dá confiança suficiente
para suportar algo assim, mesmo o pouco que tivemos", disse Lennon.
"De qualquer maneira, a morte não existe. Digo, existe morte no plano
físico, mas a vida continua por todo lugar. O conforto é saber que ele está
ok" , completou Harrison.
Esses quatro dias mudaram a vida da banda mais popular do
planeta e também a his-
tória da meditação no Ocidente. A exótica e intensa jornada
Beatle cruzou os continentes por meio da imprensa, e foi a primeira vez que boa
parte do globo ouviu uma celebridade falando sobre meditação.
O discurso foi bem recebido na comunidade hippie que vinha
crescendo nos EUA, onde a medicina alternativa, a maconha, o LSD e uma salada
de práticas orientais ganhavam adeptos
num caldo cultural cujo epicentro era a Califórnia. Mas a
prática poderia ter se tornado apenas
mais uma moda lançada por gente famosa se um estudante de
biologia molecular do MIT (Instituto de Tecnologia de Massaéhusetts) não tivesse
assistido a uma palestra de um mestre zen no início dos anos 1970. E criado uma
reviravolta.
Jon Kabat-Zinn se tornou um meditador depois da conferência e,
aos poucos, sentiu os benefícios da prática na sua vida. E ficou curioso sobre
as bases científicas desses ganhos.
Em 1979, ele e outros dois colegas criaram uma clínica
experimental para tratar dores crônicas
com técnicas budistas. Foi um sucesso. O programa tinha oito
semanas de aula e temas de casa. Os bons resultados chamaram a atenção da
Universidade de Massachusetts, que incorporou o modelo, batizado de Redução do
Stress Baseada em Mindfulness (ou MBSR
na sigla em inglês). Hoje, o MBSR é usado para tratar
bulimia, vícios, transtornos de ansiedade e esquizofrenia em diversos países.
A grande contribuição de Kabat - Zinn para a popularização
da meditação foi transformar a técnica em um protocolo idêntico para 49 todos os pacientes. Com a padronização,
Pesquisadores puderam medir o impacto da prática na saúde e
comparar resultados de outros colegas que usavam o mesmo roteiro. Depois de
milênios, a meditação finalmente podia ser analisada em detalhes pela ciência,
e os resultados positivos se espalharam. Médicos passaram a receitar
mindfulness como se fosse remédio, e o que antes era uma prática religiosa asiática
passou a se tornar um hábito de saúde para milhões de ocidentais. Kabat-Zinn virou
uma celebridade, o profeta do mindfulness.
E, aos poucos, os benefícios da meditação invadiram o
ambiente corporativo.
PAREM AS MÁQUINAS
2004, Mark Bertolini sofreu um acidente grave enquanto esquiava. CEO da Aetna,
companhia americana de seguros de saúde, ele quebrou cinco vértebras do
pescoço e rompeu alguns nervos que conectam o braço esquerdo
à medula espinhal. Sentindo dores crônicas, foi buscar na meditação uma forma
de amenizar o sofrimento. Acabou se tornando um entusiasta da prática no ambiente
corporativo e implantou um programa de aulas de ioga e meditação para os
funcionários da Aetna. Desde 2011, mais de 13 mil de um total de 50 mil
empregados já participaram do momento zen da empresa. Uma pesquisa interna feita
com os trabalhadores mostrou que os níveis de stress diminuíram 28% e a
qualidade do sono melhorou em 20%. Mais concentrados nas tarefas profissionais
depois de frequentarem as aulas, cada empregado ganhou 62 minutos por semana em
produtividade. Só aí, a empresa calcula já ter economizado US$ 3 mil por
funcionário ao ano (pouco mais de R$ 10 mil).
O caso da Aetna é contado no livro MindfuL Work: How
Meditation Is Changing Business from the Inside Out ("Trabalho consciente:
como a meditação está mudando os negócios de dentro para fora", sem
tradução para o português). ele, David Gelles, repórter do The
New York Times, documenta a onda de grandes empresas que estão
levando o mindfulness para o local de trabalho. Nos últimos anos, Ford, Target,
Nike e General Mills criaram programas com retiros de meditação, salas
especiais para meditar e palestras com especialistas. No Vale do Silício, Google,
Apple, Intel, eBay e Adobe são algumas das que também aderiram.
BUSCA ÍNTIMA Meditar se tornou o assunto do momento nos corredores do
Google depois de 2007, quando o gigante das buscas passou a oferecer o Searéh
Insíde Yourself ("Busque dentro de você" , em português). O curso ensina
para os googlers técnicas de meditação e conceitos de inteligência emocional em
um intensivo de dois dias ou espaçado em aulas curtas ao longo de sete semanas.
As turmas variam de 20 a 50 pessoas, e a fila de espera é grande. Depois do programa,
fica a cargo do funcionário escolher se e como vai colocar o mindfulness em
prática no trabalho. A meditação pode ser feita andando, na frente do
computador, em uma sala especial, por um, 15, 45 minutos, in- devidamente ou em
grupo. Mais de mil empregados já concluíram o curso no complexo da empresa em
Mountain View, na Califórnia.
O nível de satisfação é avaliado em 4,7 numa escala de cinco
pontos - e muitos já relataram que a experiência mudou suas vidas.
O idealizador do treinamento saiu de trás de uma das baías
da empresa. O engenheiro
Chade- Meng Tan foi o funcionário de número 107 do Google e,
quando não estava desenvolvendo sistemas, aprofundava -se na filosofia budista
e na prática do mindfulness. Resolveu propor um curso no escritório e a ideia
bom bou. Deu, inclusive, origem a um livro homônimo escrito pelo engenheiro,
que ficou conhecido como o "guru do Google". Busque dentro de Você
(2014) explica o método desenvolvido por Meng e já foi traduzido para, pelo
menos, 24 línguas. Depois de 15 anos, Meng deixou o Google para, segundo ele
mesmo, dedicar-se a projetos de meditação e trabalhar pela paz mundial.
Iniciativas de meditação corporativa também ganharam espaço
no Brasil. A Mead Johnson Nutrition, uma multinacional de produ-tos alimentícios,
implantou um programa pars os funcionários de seu escritório em São Paulcem
2012. Durante 20 ou 25 minutos de manhã ( à tarde, as luzes do escritório eram
reduzida! e a meditação iniciava. Quarenta e seis de um total de 60 funcionários
chegaram a participa; de um curso pago pela empresa. Mas o programa não durou
muito. Foi descontinuado em 2015 A Mead Johnson não informou o motivo.
Casos como o da
multinacional não são raridade. Muitas iniciativas cheias de boas intenções
desaparecem mais rápido do que surgi ramo Um dos motivos seria a implantação em
empresas onde não há uma cultura de bem estar nem a intenção de desenvolvê-Ia. Segundo Ana
Paula Peron, consultora em educação corporativa e coach executivo e empresarial
algumas organizações incentivam a prática de mindfulness ao mesmo tempo em que
"olhar feio" para os funcionários que param os afazeres para meditar.
"Nesses casos, é só pelo modismo. São estratégias vazias para aparecer na mídia.
É igual aos valores pendurados na pare de: ninguém pratica", explica Ana.
ESTRESSE COMBATIDO
Apesar do ceticismo, alguns estudos mostram que existem vantagens reais da
meditação no ambiente de trabalho. Publicada no Journal of Managementel 2015,
uma revisão sistemática avaliou mais com 4 mil estudos sobre atenção plena e documentou
como a prática pode impactar a forma que os funcionários sentem, pensam, agem e se
relacionam. Os pesquisadores da Case Western RI serve University, de Ohio,
encontraram evidências de que o mindfulness torna os empregados mais eficientes
e facilita as relações interpessoais em cargos de liderança e trabalho em equipe.
Outra pesquisa de 2015, divulgada no Journal of Occupational
and Environmental Medicine, mediu os níveis de stress em trabalhador de urna
UTI cirúrgica antes e depois da prática, mindfulness por oito semanas. Os
resultados obtidos na Ohio State University Wexner Medir
Center mostraram que a alfa -amilase salivar, um indicativo
de ativação do sistema nervoso simpático, que prepara o corpo contra ameaças,
tinha diminuído em 40% no grupo que aderiu à medicação, o que mostra que a
prática pode diminuir osníveis de stress e o risco de esgotamento.